A educação ambiental, quando construída a partir das vivências, do território e da escuta ativa, torna-se uma potente ferramenta de transformação social. É com esse princípio que o Projeto Jovens Observadores foi concebido e executado pelo Instituto Suinã nos municípios de Jacareí e Guararema (SP), ao longo de nove meses de projeto. Com foco inicial em juventudes residentes em áreas periféricas e com pouca oferta de atividades educativas extracurriculares, o projeto propôs um percurso formativo pautado na observação de aves como porta de entrada para temas como conservação da biodiversidade, turismo sustentável e os chamados empregos verdes.

O projeto foi estruturado em encontros formativos híbridos (presenciais e online), saídas de campo para áreas naturais estratégicas do território, como o Parque das Neblinas em Mogi das Cruzes, o Parque Estadual da Serra do Mar núcleo Caraguatatuba e áreas de agroecologia, sendo realizadas atividades de leitura crítica do território a partir do olhar da fauna, da paisagem e das práticas comunitárias locais. Durante essa jornada, os participantes foram incentivados a construir roteiros ecoturísticos autorais, refletindo sobre as interações possíveis entre natureza, cultura, economia e pertencimento.
Metodologia fundamentada na escuta, no vínculo e na prática
A metodologia do projeto teve como base a educação ambiental crítica, integrando aspectos cognitivos, sensoriais e afetivos no processo de formação. Conforme define a Lei nº 9.795/99 (Art. 1º), a educação ambiental deve ser um componente permanente da educação, integrando-se a todos os níveis e modalidades de ensino, tanto no contexto formal quanto no não formal. Alinhado a esse princípio, o Jovens Observadores desenvolveu atividades que promoveram o protagonismo juvenil, com estímulo à valorização das memórias e referências locais dos participantes, articuladas com a experiência prática da observação de aves e da interpretação ambiental.

Além disso, é importante compreender que o fortalecimento da educação ambiental exige integração entre conhecimentos ecológicos e políticas públicas, e que sua efetividade está diretamente relacionada à transformação cultural e de valores sociais, especialmente no modo como a sociedade interage com os bens naturais (Oliveira Júnior & Sato, 2006).
Outro ponto-chave da metodologia foi a adoção de ferramentas da ciência cidadã, como o uso do aplicativo eBird, que permitiu que os participantes registrassem as espécies observadas, contribuindo com dados reais para redes de monitoramento e conservação. A ciência cidadã é reconhecida como uma estratégia essencial para ampliar o acesso ao conhecimento científico, permitindo experiências de descoberta e engajamento que beneficiam tanto os participantes quanto a ciência (Riesch & Potter, 2014; Sullivan et al., 2017; Mamede, Benites & Alho, 2017). Mesmo que esses participantes não analisem dados ou publiquem artigos científicos, cidadãos cientistas exercem um papel fundamental na coleta de informações e contribuem de forma efetiva para questões ambientais globais (Cooper et al., 2007; Cohn, 2008).

Essa abordagem fortalece o vínculo entre as pessoas e a natureza, despertando não apenas o interesse pelo meio ambiente, mas também um comprometimento real com sua proteção e conservação (Mamede, Benites & Alho, 2017).
Resultados e aprendizados
Os impactos do projeto se revelaram em diferentes níveis. No plano individual, muitos participantes relataram mudanças significativas na forma como enxergam os espaços naturais e as possibilidades profissionais na área ambiental. No plano coletivo, houve um fortalecimento da rede de parcerias locais, com escolas, secretarias municipais, unidades de conservação e coletivos ambientais contribuindo ativamente para a realização das atividades.

A qualidade e o impacto da experiência vivenciada pelos participantes também se refletiram na avaliação final do projeto. Quando perguntados "Como você avalia sua experiência geral no Projeto Jovens Observadores?", 93% dos respondentes atribuíram nota máxima (5 de 5 pontos). Esse indicador demonstra não apenas a aceitação da proposta metodológica, mas também a sua potência transformadora. A alta taxa de satisfação sugere que os participantes reconheceram valor nas vivências proporcionadas, na escuta ativa, nas conexões territoriais e no contato com a natureza, elementos que fortalecem o pertencimento e ampliam horizontes formativos e profissionais.
Cabe destacar que, embora o público-alvo inicial fossem jovens do ensino médio, o projeto acolheu também participantes de outras faixas etárias, denominados “veteranos”, cuja adesão foi especialmente significativa no município de Guararema. Essa flexibilidade metodológica contribuiu para ampliar o alcance do projeto e reforçar que o desejo de reconexão com a natureza atravessa gerações.
Educação ambiental como política pública transversal
A experiência do Projeto Jovens Observadores demonstra que a educação ambiental, quando pensada a partir das potencialidades do território, pode se tornar um caminho efetivo para a conservação da biodiversidade, a geração de renda e o fortalecimento das identidades locais.
É importante destacar que o projeto derivou diretamente do evento "Avistando", iniciativa intermunicipal de observação de aves, onde desde 2022 o Instituto Suinã atua como parte do corpo articulador do evento. Com abrangência nos territórios do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Alto Tietê, o Avistando se consolidou como um evento referência na temática da avifauna e da sensibilização ambiental na região.
A partir das vivências promovidas pelo Avistando, identificou-se a necessidade de ampliar e aprofundar as ações com foco no vínculo sociedade e natureza que a observação de aves proporciona, especialmente no que se refere à formação crítica e ao estímulo ao ecoturismo como vetor de geração de renda associado à conservação da biodiversidade. O Projeto Jovens Observadores nasce, portanto, como uma resposta metodológica concreta a essa demanda, fortalecendo o olhar local sobre o turismo de natureza como campo legítimo de atuação profissional e de construção de pertencimento ambiental.
A estratégia adotada no projeto também dialoga com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente os ODS 4 (Educação de Qualidade), ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico), ODS 12 (Consumo e Produção Responsáveis) e ODS 15 (Vida Terrestre).

Mais do que apresentar a observação de aves, o projeto buscou formar observadores de si, do outro e do lugar onde se vive. E isso, para o Instituto Suinã, é a essência da educação ambiental com impacto real: não apenas informar, mas transformar.
Autora
Lorrane Coelho, caiçara de origem, bióloga especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade e apaixonada pela educação como caminho de reconexão entre pessoas e natureza. Trocou a areia nos pés pelo barro na bota ao se mudar para o Vale do Paraíba onde atua em projetos de Educação Ambiental.
Referências
COHN, Jeffrey P. Citizen science: Can volunteers do real research?. BioScience, v. 58, n. 3, p. 192-197, 2008.
COOPER, Caren B. et al. Citizen science as a tool for conservation in residential ecosystems. Ecology and Society, v. 12, n. 2, 2007.
LEI Nº 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências.
MAMEDE, Simone; BENITES, Maristela; ALHO, Cleber José Rodrigues. Ciência cidadã e sua contribuição na proteção e conservação da biodiversidade na reserva da biosfera do Pantanal. Revista Brasileira de Educação Ambiental (RevBEA), v. 12, n. 4, p. 153-164, 2017.
OLIVEIRA JÚNIOR, Samuel Borges de; SATO, Michèle. Educação ambiental e etnoconhecimento: parceiros para a conservação da diversidade de aves pantaneiras. 2006.
RIESCH, Hauke; POTTER, Clive. Citizen science as seen by scientists: Methodological, epistemological and ethical dimensions. Public Understanding of Science, v. 23, n. 1, p. 107-120, 2014.
SULLIVAN, Brian L. et al. Using open access observational data for conservation action: A case study for birds. Biological Conservation, v. 208, p. 5-14, 2017.